A crônica a seguir foi criada para a matéria de Língua Portuguesa II, no curso de licenciatura em Letras.

Efêmera 

Sempre considerei-me uma pessoa de sorte, já que toda a minha família está viva. Todos os meus quatro avós, todos os meus tios, todos os meus primos. Mas como todos nós eventualmente nos encontramos, encontrei-me em um funeral de um querido amigo. Ninguém viu esse dia chegando, mas lá estávamos nós, vestidos de preto e com lágrimas escorrendo pelo rosto. Fui deixada vazia de sentimentos, vazia de racionalidade. Perdida. Anestesiada.
Nunca soube muito bem como agir em situações sociais, então, como em todas as ocasiões infinitamente mais felizes em que me encontrei, encostei-me num canto e observei, esperando a tristeza invadir a mim também. Havia lágrimas, mas havia outros como eu — amortecidos. A perda pairava sobre nós como uma sombra que nunca nos abandonaria. O ar pesava, mas a gravidade parecia falhar. A mãe de meu falecido amigo tinha o olhar vazio e ignorava todos que tentavam falar com ela. O pai conversava em voz baixa e séria com alguns parentes. Nossos amigos em comum choravam, uns em silêncio, outros em meio a conversas saudosas. E eu sentia meus olhos secos. Meu coração ainda batia? Não tinha certeza.
Eu já ouvira muito sobre a morte. É nossa única certeza, afinal, não é? Pelo menos é o que todos dizem. Eu achava que estava preparada para lidar com ela. Mas por que eu não conseguia sentir alguma coisa? Qualquer coisa. Como um apelo à minha alma, relembrei todos os momentos felizes que compartilhei com meu amigo, de todas as lágrimas que chorei em seu ombro e em todos os bons drinks que dividimos. As últimas palavras que trocamos.
Nada.
Apenas o vazio.
Não sei dizer por quanto tempo fiquei encostada naquela parede, acenando educadamente com a cabeça quando alguém se dirigia a mim, mas em algum momento tudo começou a ficar insuportável e a urgência de sair dali dominou-me, então o fiz. Não me despedi de ninguém, não olhei uma segunda vez para o rosto frio que por tanto tempo significou conforto para mim, apenas virei minhas costas e andei sem me importar para onde.
Avistei pessoas que não estavam de preto nem tinham lágrimas nos olhos e foi para lá que me encaminhei sem pensar muito. Quando finalmente parei e tentei observar meus arredores, vi que me encontrava em uma praça. Sentei-me em um banco e surpreendi-me quando notei que o calor do sol ainda me atingia. O astro ainda brilhava. O casal deitado na grama ainda ria, as crianças ainda brincavam. A vida, contra todas as probabilidades, seguia.
A dor eventualmente chegou ao meu peito, sim, mas veio junto de uma estranha paz. A realização atingiu-me: um dia existíamos, no outro, não. E, no fim das contas, não importa. O que importa são as impressões que deixamos enquanto ainda estamos vivos para que, enquanto ainda viverem aqueles que nos conhecem, sejamos lembrados com bons olhos. E então, eventualmente, as pessoas que nos conheceram chegarão a um fim. Nossa última impressão é, com sorte, uma lápide com nosso nome, e então o tempo acabará com ela, também. Mas não importa. O mundo continua girando e o tempo não para de passar. A vida é curta, afinal.
Passageira.
Efêmera.
Mas enquanto dura, ainda há o calor do sol para sentir e risadas para compartilhar. E isso é o que me conforta.
Efêmera - Crônica
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